Tudo estava ruim, desmoronando,
Eu estava absorto e encafifado,
A derrocada era previsível e iminente.
Meu tiete movera o curso,
Derivei sem rumo, num descompasso.
Tentei conjugar o verbo da bondade,
Invoquei os orixás, mas estavam sonolentos.
Parecia que a desgraça tinha encontro marcado
Para destruir até as reminiscências da vida.
Estava desiludido, renegando falsas esperanças
Que não atenuavam minhas dores,
Apenas contribuíam para o esmorecimento da alma.
Senti o olhar anuviar, eu estava confuso.
Sabia que o tempo não esperava,
Mas tentei não ser apressado no raciocínio,
Me mantive estático para camuflar
O ato silencioso fez-se presente
Tentando antecipar minha partida para o lado de lá.
Estático, eu havia perdido o talento da escrita.
Fotografei o exato momento da loucura
E pude ouvir o som silenciando as batidas
Do meu degenerado coração
E revelando a sórdida imagem da dor.
Há muito a criatividade andava estagnada
De maneira abrupta e impiedosa.
Deixando meu peito entristecido
Pelo vazio da palavra que antes o preenchia.
Minhas lacunas relutavam
Num clamor solitário
Causado pelo desculto repentino.
Debrucei-me ante o ostracismo caótico,
Não encontrando palavras que pudessem
Traduzir minha indelével indignação
Frente à escassez do exercício da criação.
Cheguei a dessubstanciar a natureza do corpo
Revelada na exuberante beleza que fascina.
Faltava-me a luz que guia o amor e embala o texto.
Carecia daqueles instantes de sonho e paixão,
Providos de frases sussurrantes que previam
Um futuro onde a felicidade coibia o abandono
Há que saudades dos tempos em que se podia
Recriar os momentos puros onde o tempo parava
Para olhar a inocência de nossas carícias...
Houve momentos em que a poesia
Corria solta em minhas veias
E o sangue queimava de emoção.
Atormentado, eu via, mas não enxergava,
Apenas disfarçava o olhar tentando
Engabelar a vida que não mais existia.
Foi com imenso desprazer que vi-me
Saindo de mim, abandonando a massa,
Corpo e alma desunidos em fragmentos.
Meu nulificado espírito errante e desmedido
Olhou-me pela última vez,
Zombando de meu corpo obeso, dos inchaços,
Fez pilhéria, exibindo um sorriso macabro,
Diminuindo-me pela vida debruçada no fracasso.
Assenti o deboche, mas penumbra não reluz,
Qual o ganho de um espírito sem luz?
Cutuquei-me por sentir a coagulação letárgica
Propiciada pela infinda inércia literária
Que se apossara de mim
Para acentuar o esmorecimento
Interceptando a disposição afetiva para sempre.
Senti uma pequena gota escorrer
Pela face esvaecida,
Causando uma dor sufocante que obstruiu o grito
E aviltou o processo degenerativo.
Como que por mágica, numa madrugada decadente,
Feito um raio em procissão,
As palavras reluziram no ar
E invadirem meu cérebro,
Senti a imaginação aflorar triunfante.
Enfim, brotava novamente o talento,
Há muito torpedeado e
Aprisionado pelos exauríveis desencontros da alma,
Novamente senti-me agraciado
Pelo providencial dom da escrita,
Mas, a que fim se destina tão enfadonhas poesias,
Construídas com sinuosas linhas
Tingidas de palavras ininteligíveis?
Decerto que o ato de criar
felicita a alma e irradia luz
Ainda que tardia,
frente à tantas emoções não retratadas,
Escritas nas madrugadas onde a razão é incerta
E o coração volúvel!
Teria eu a primazia de ainda tentar
Persuadir corações com meus garranchos?
Quanta pretensão tenho eu,
O mais ínfimo dos poetas!