Enojei-me da vida, estava cansado da mesmice que norteava o enredo desastroso de minha sinuosa estrada. Vi-me sisudo e aturdido e pasmei incrédulo ao sentir-me no limiar da desolação. A insatisfação preenchera todo o espaço com indelével tristeza. Vi-me alternar entre choro e riso, mergulhado numa divisão de comportamento. O fardo da perda pesava sobre mim. O que ocorrera para eu estar tão só? E agora, querida minha, o que farei sem saber mais de você, se até a poucos instantes nossos olhares se cumprimentavam? O que será de mim se estou mudo, calado, amedrontado frente ao mundo? Sempre pensei que meu caminhar fosse absoluto, e que, minha inteligência fosse soberana e clara. Como fui tolo em não percebê-la como única parte minha! Sinto-me desnudo frente a este devaneio devastador. Sou nulo, feito lâmpada cansada. Exaurido de forças para continuar raciocinando. Teu olhar não mais reflete o brilho, nada reluz. Esta multidão a te rodear em condolências, este lúgubre caixão envolto por rosas entristecidas, para onde vai tão apressada e solitária? Que serei sem a tua presença? Faz calor, entretanto, tua temperatura é glacial. Teu coração...Não mais ouço seus batimentos! Tudo está longe e solitário...Sonhos interrompidos. Sem vivacidade, fervo em prantos, amparado por lágrimas condolentes. Meu insano pensamento vegeta amputado. Meu corpo parece disforme, arqueja flácido com intermitentes tremores. Onde está você agora que não mais senta à mesa, não me provoca com célebres e exuberantes frases, onde a beleza do gesto corria em sincronismo com a delicadeza das admiráveis palavras? Volta, venha degustar o aroma de teu licor, rendida a cadeira de balanço! Porquê partiu sem mim, vida minha? Como pode ausentar-se e parar de ser ativa, sem ao menos terminar a sua maior riqueza, a façanha de terminar o seu livro? Agora já não sou sequer página virada. Tua pele adquiriu uma brancura jamais vista. Teus lábios, outrora sedosos e vermelhos, se transformaram em tecido ressequido. Coroas de flores espiam o teu velório, insatisfeitas, sonegam a fragrância. Alguém me diz que a vida é mesmo assim, contradigo, a felicidade jamais pode ser interceptada. Observo faceiras damas em incessante trabalho de flerte, todas almejando o teu lugar. Enxeridas, na servência do corpo através de abraços mais que calorosos. Não consigo entender a indelicadeza da morte que condiciona o destino por uma única estrada espinhosa. Para onde a levam? Este cortejo fúnebre, esta cova...! Presencio temeroso e incrédulo, sucumbir minha existência. Qual sucesso funesto teria desabado sobre meu lar, a ponto de encurtar a alegria de viver, se a mim não foi revelado o significado da pérfida existência? Vejo todos se dissiparem, a cova coberta por desvalidas flores tetraplégicas. No céu ensurdecedores trinados estridentes emitidos por aves insepultas em decomposição.
- Que há de ser de mim que nasci somente para você? – gritei com todas as forças!
Olhei para o céu, tudo estava desolado. Nuvens negras choravam. Senti as lágrimas banharem o cemitério; mas não conseguiram lavar minha alma. O ódio estava estampado em todo meu ser. Olhei mais uma vez para o céu e esbravejei: “Porquê o que mais amo teve que partir assim? Que Deus é este que a fez partir sem mim? Que Deus é este? Sei que existe o criador, mas expresso minha revolta. Enquanto agonizo com minha grande dor, o que desejo é a morte!” Uma poderosa nuvem negra pairou sobre mim, ouvi um desalumiado trovão que sacudiu toda a terra, Deus estava zangado com minha blasfêmia. Uma poderosa luz branca projetou-se sobre mim. Contemplei o azul celeste. Agora, a brancura apaziguadora dançava, felicitando-me por continuar a existência. Deus havia me confortado. Fotografei a memória do tempo, e a mim foi revelada a foto da perseverança, amenizando o inquietante lamento da reconstrução. Vi, com alivio, que minha amada estava adentrando no paraíso e me aguardando em outra vida.
Mas exatamente hoje, após décadas, rio-me ao me enxergar paralisado e conivente frente as amarguras do destino. Na ardência da dor ainda impera as terríveis lembranças que veem feito ferroada no carnegão. Ando empanzinado com o destino vendo meu raquítico corpo em procissão marchando para o matadouro.
Vez por outra ainda me lembro do criador salvando ou problematizando o mundo no ácido sabor da finitude tentando materializar as perdas. Fadado a infinda aquiescência, em dose diária a vacina do conformismo vem me sedar.
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"Escrevo o que sinto, mas não vivo o que escrevo"