Paulo Izael
Escrevo o que sinto, mas não vivo o que escrevo.
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VAMOS ASSALTAR UM BANCO?


Círius Campanilha catou os bolsos, nada! A grana estava ausente. Decidiu telefonar para um amigo e combinaram o encontro numa lanchonete.
- Como vai, meu querido? – disse Campanilha cumprimentando Caio Silvino.
- Estamos indo, levando, como Deus quer!
- Deus? Por acaso, agora é evangélico?
- Sou, e daí?
- Estou pra ver ladrão mais cínico que você, francamente! A mão que sustenta a bíblia, é a mesma que pratica assaltos...!
Caio Silvino se levantou, estava irritado com comparações.
- Fique com seu puritanismo que eu vou cair fora!
Círius Campanilha segurou Caio Silvino pelo braço e disse:
- Nem ouviu o negócio que tenho pra gente e quer ir embora.
- Ta bom, conta logo!
- Também não é assim, na dura.
- Vou embora.
- Fica, vou contar. Mas, pelo menos senta, não é?
Caio Silvino acomodou-se na mesa e continuou saboreando o chope gelado.
- Vamos assaltar um banco?
- Quê? – assustou-se Caio Silvino, sorvendo a bebida pelo nariz – Qual banco?
- Aquele ali – disse Campanilha, apontando para o outro lado da rua.
- Acho perigoso, muito movimento nesta rua. Além do mais, estou sem ferramenta para trabalhar.
- Estava , dá uma olhada embaixo da mesa.
Caio Silvino viu duas pistolas cromadas.
- Bom, já que está montado, vamos pra guerra! – assentiu Caio Silvino, sentindo que a sorte estava lhe sorrindo. Só poderia ser uma ajuda de Deus.
Círius Campanilha chamou o garçom e pediu uma porção de filé aperitivo.
- Manda um uísque – pediu Caio Silvino.
- Está com a moeda?
- Porquê?
- Só tenho cem reais.
- Não esquenta a cachola, eu tenho cinqüenta reais. Afinal estamos comemorando antecipadamente. Eu olho para aquele banco e já me vejo rico, nadando em dinheiro.
- Vem cá, - disse Campanilha apreensivo –  estou preocupado, não disse que estava na caminhada da igreja, evangélico e tal?
- Vou te confessar, só me batizei pra roubar a igreja, entendeu?
- Além de entender, estou aliviado. Afinal, somos bandidos do mal, não é?
- Mais ou menos. Lembra aquela vez que fomos roubar a sacola da velhinha na saidinha da feira? Deu tudo errado, você não conseguiu.
- Também não era pra menos, a caduca enfiou o único dente que tinha em meu braço, olha só a marca que tenho até hoje! – disse Campanilha mostrando o braço - Você por sua vez, foi assaltar o pedinte e findou fazendo caridade.
- O coitado era cego, e dei alguns trocados a ele.
A mesa estava farta. Círius Campanilha e Caio Silvino estavam se preparando para o bote, bebiam para externar a maldade que estava incrustada em suas mentes.
- Escuta, Caio, pensei e vou até o banco passar um pano, ver como está o ambiente lá dentro.
- Bem pensado, vai lá.
Minutos depois Campanilha retornou meio preocupado.
- Como está o molho lá dentro.
- Bom, vou te contar logo...Dei com minha vovó na fila. Não acredita, a coitadinha foi assaltada e estava em prantos. Tinha que pagar a conta de energia caso contrário a companhia iria efetuar o corte de fornecimento.
- E daí?
- Não tive alternativa, dei os cem reais pra ela.
- Deus do Céu, ficou maluco? E agora, como iremos pagar a conta? Já falei que meu capital é de cinqüenta reais. Sabia que o assalto estava indo muito bem e já desconfiava de algo.
Círius Campanilha coçou a testa, ingeriu mais um copo de cerveja, acendeu um cigarro e ficou refletindo.
- Já que você não desempenhou o papel, eu vou até lá sondar o ambiente e depois a gente entra pra concluir o assalto, certo?
- Certíssimo. Desculpa pela mancada, Caio. Você sabe que não sou de mancar.
- Já vi mais de um milhão de mancadas sua. Vou nessa.
Caio Silvino entrou no banco, e correu o olho pelo ambiente, observou o posicionamento dos vigias, reparou que só havia uma câmera. Tudo ajudava, era só tomar a grana e sair. Quando se dirigia para a saída, alguém lhe tocou às costas:
- Onde pensa que vai, larápio.
Caio Silvino sentiu o corpo tremer aquecido, conhecia aquela voz, o som emanado não era mensageiro de bons presságios. Virou-se e viu quem era. Agora estava gelado, se tratava de um agiota de alta periculosidade.
- E o meu dinheiro que você tomou emprestado e não pagou, safado?
Caio Silvino se lembrou da dívida, por sinal, antiguíssima. O agiota encostou-se a Caio Silvino e lhe deu um soco no estômago. O impacto foi violento. Em seguida o agiota enfiou a mão em seu bolso e puxou a nota de cinqüenta reais.
- Pilantra, descontando esta nota, ainda me deve trezentos reais. Tem até amanhã para quitar o restante, caso contrário...
Caio Silvino olhou para os guarda costas, verdadeiros armários ambulantes.
Deixou o banco com o estomago dolorido. Sentou-se à mesa da lanchonete com lágrimas nos olhos. Campanilha não estava entendendo nada. Após Caio Silvino relatar o acontecido, Campanilha abriu os olhos, incrédulos.
- Burro, é isso que você é. Sabia que era nosso último dinheiro e foi dar uma dessa!
Foi mal. Acho que o assalto é nossa única chance de pagar a lanchonete. A droga é que joguei a arma no lixo.
- Ah, jogou no lixo, ainda essa! Como pude te chamar para uma fita dessa, de mil graus!
Minutos depois um reboliço se formou diante do banco. Dezenas de viaturas com suas estridentes sirenes se perfilavam.
- Acabaram de roubar o banco! – gritou um Zé Povinho.
- O ladrão está mantendo uma criança de colo como refém, o barato tá louco! – falou outro linguarudo.
Círius Campanilha sentiu o medo lhe possuir. O caos estava instituído. A televisão cobria o acontecimento. O assaltante ameaçava matar a criança, a polícia implorava para que não fizesse isso. Atiradores de elite entraram na lanchonete, tentando um ângulo que não pusesse a vida da criança em risco.
- A arma, jogue-a pela janela, senão a polícia cata a gente como cúmplice! – disse Caio Silvino alarmado.
- Para um burro, você esta pensando bem. Vou jogar este b.o.
- B.o?
- Como se fosse boletim de incorrência, cretino.
- “Ocorrência, besta” – corrigiu Caio Silvino.
Tudo estava perdido. A providência viável seria descartar a arma para que não os associassem ao assalto. Se fossem pegos com a arma, pensariam que estavam dando cobertura. Círius Campanilha jogou a pistola pela janela, que era alta e ouviu um disparo.
- Acertaram o ladrão, a criança está salva! – berrou um transeunte.
- Um verdadeiro milagre que aquele homem praticou! – disse outro espectador apontando para Círius Campanilha.
- Eu não fiz nada! – disse Campanilha amedrontado, olhando para os policiais,
- Você é bom mesmo! Jogou a arma naquele ferro – apontou o policial com o dedo indicador – o mesmo acionou o cão e se procedeu a um disparo perfeito que atingiu o braço em que o ladrão segurava a arma, meus parabéns.
O dono da lanchonete se aproximou com um sorriso no rosto e beijou Campanilha, falando:
- O senhor é nosso herói, salvou a vida de minha filhinha. Como forma de agradecimento, a conta é por conta da casa e tome mais este agrado.
Círius Campanilha sentiu as notas entre os dedos, um tufo. A situação mudara, para melhor. Após atenderem a imprensa em várias entrevistas, saíram da lanchonete altas horas da noite. Ele e Caio Silvino estavam embriagados e felizes.
- Minha parte – cobrou Caio Silvino.
- Ta louco, que parte é essa a que se refere?
- Dei a idéia pra você descartar a arma, não seja ingrato.
Campanilha assentiu, Caio Silvino tinha lá suas razões. Dividiu a bolada.
- Se fosse eu faria o mesmo, obrigado! – disse Caio Silvino agradecendo.
Quando estavam na rua, olharam para o banco e caíram no riso. Não esperavam tanto dinheiro.
- Achei!
- Achou o que homem? – perguntou Campanilha olhando para Caio Silvino que remexia a lata de lixo.
- Achei a arma e um malote do banco.
- Abre!
Abriram. O malote estava recheado de dinheiro, o ladrão havia jogado a grana no lixo.
- Estamos ricos! Gritou Campanilha.
- “Estamos”? Como Assim?
- Vamos dividir a bolada. Lembra de suas palavras: “Se fosse eu faria o mesmo, obrigado!”
Caio Silvino refletiu concluindo que Círius Campanilha era seu sócio.
- Ok, você venceu, cinqüenta por cento para cada um.
- Vamos assaltar outro banco amanhã...! – comentou Campanilha sorrindo.
- Melhor aguardarmos um pouco mais. Vamos ganhar experiência na coisa!
Caminharam felizes. A noite irradiava calma. Lá de cima, a lua espiava, tentando compreender o absurdo desfecho de um frustrado assalto. Na mesma noite, Caio Silvino ficou sabendo que o assaltante atingido era o agiota que o agredira no banco.



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"Escrevo o que sinto, mas não vivo o que escrevo"
Paulo Izael
Enviado por Paulo Izael em 03/11/2005
Alterado em 17/01/2011
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