Paulo Izael
Escrevo o que sinto, mas não vivo o que escrevo.
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Textos
LAMENTOS DA REENCARNAÇÃO.


“Uma insólita viagem da alma
ao poço das maldades”

Sir Herzog Izael (1756-1805)




Tudo era maçante e descartável. Toda a inteligência havia enfraquecido, Toda a vida padecia órfã. O glamour da existência não era infindo e sempre fenecia. O mundo arquitetônico quedava em ruínas. Somente a reencarnação predomina. Em outra vida, minha existência fora intensa, sem prerrogativa, Mais alarmante do que poderia imaginar. Quando eu habitava este mundo, Era aguçado pela extrema curiosidade. Daria tudo para descobrir a incógnita que cercava o lado de lá. Queria enxergar por trás do muro. Conheci vários mundos, centenas de colônias povoadas por espíritos. Quando lá estive, não gostei do que vi. Tudo foi repugnante, um contraste. Sempre fui ativo, atirado e festeiro. Em determinado momento em que me encontrava trôpego, nada mais era. Encarnei, desencarnei e desandei. Já fora alma sem aura, já penara, perambulando pelos calabouços do tempo. Vi onde nasce a maldade e tive cada milímetro da aura perfurada pela ira dos anjos caídos. Segui num alucinante aprendizado. Setecentos e vinte anos evoluindo, atingi o nível máximo. Conheci Deus. Cresci, contrai a pureza necessária para voltar ao mundo das matérias providas de luz. Eu sabia que meus conhecimentos se equiparavam ao criador! Eu precisava mostrar minha força. Então, incorri em velhos erros praticados em outras existências, decididamente não era mais aluno, e sim, mestre dos mestres. Munido de conhecimento pleno, aceitei o convite de alguns anjos dissidentes, participei de algumas festividades que me lançaram a um mundo deslumbrante, onde meu poder suplantava a todos. Cumprimentei Pilatos, neguei o nome de Cristo trinta vezes e, de camarote, assiste a derrocada dos doze apóstolos. Namorei Cleópatra, fiquei com Afrodite, fui um fervoroso Faraó. Aconselhei alguns imperadores romanos com inovadoras técnicas que valorizavam a maldade, como paga, disseminei a luta no coliseu, fazendo com que feras se fartassem de descartáveis criaturas. Armei importantes estratégias para Hitler. Iniciei a prática da alquimia, transformei metais em ouro, o que me propiciou jorrar sangue sobre o conde Drácula. O universo estava a meus pés.
Fui diplomado na arte da crueldade. O próprio Lúcifer me referenciava. Tornei-me um desordeiro e tanto. Neste plano, a devassa e o vício predominaram. Aquele era meu sangrento reinado.  Tanto fiz, que fui coberto pelo manto do desencanto. Jamais me chamariam de santo. A ingratidão folheou meu destino cruel. Fui abandonado pelos infames demônios e vi todos os poderes se ausentarem. Num desses dias, acordei decidido, propenso a descobrir-me. Descortinei meu estranho mundo. Mais uma vez detive-me pasmo ao defrontar-me com o vazio. Olhei-me com estranheza e desdenho. Amaldiçoei a total inutilidade de todo o meu “eu”. Desfiz-me mentalmente, implodi. Reneguei qualquer intelectualidade que pudesse resultar em alusão a concretizar minha utopia. Vi escorrer a degenerada sensatez. Encafifei ainda mais as dúvidas. O desperdício de minha trajetória. Dias tensos, noites intranqüilas, embaladas por madrugadas doloridas. Uma viagem azeda carente de um ideal. Ainda bem que antevi a interrupção do curso vital. Ouvi o tilintar da foice da morte. Era a senhora de negro tomando chegada. Era o tempo encurtando o final da jornada. Desfaleci num suicídio tétrico, onde o esmaecer foi lento e atormentado. Fui elevado, seguro por quatro demônios, o quinto, munido de uma enorme e afiada tesoura, cortou-me pacientemente, senti a lâmina secar o lamento e apagar a luz. Fui acometido por um calor. Não tive dúvidas, era o prenúncio de mais uma maçante e repetitiva reencarnação. Seria mais uma estafante estadia sofrida. Regada por desilusões copiativas. Eu, novamente desgraçado com outra vida que certamente me faria mais caótico, absorto no tempo, entregue ao espaço e desenganado. Nada poderia ser mais desolador que um espírito carecido de ajuda. Porque eu, entre bilhões de pessoas, vi-me sentenciado a conviver, praticar o caos e perpetuar a existência de uma raça que autodestrói-se numa crescente carnificina justificada pela utopia dos direitos iguais? Agora padeço, amarrado a uma matéria, desnutrida, recheada por tumores malignos, amputações horripilantes e inócuos olhos que não conseguem fotografar a vida. A autofagia mundial desmerece a raça humana. “Uma esmola pelo amor de Deus”, praga de matéria que nasceu propensa à degeneração e adjutórios! Que alma sou eu? Objeto de lamentação, sem aura, a perambular com esta enojante matéria xingada de corpo? Olhei, a minha volta uma fumaça negra cobriu-me, gerando um intragável odor de enxofre. Seria eu a besta-fera num degradante e estarrecedor invólucro horripilante? Meu infortúnio não poderia continuar. Eu então, roguei ao criador, uma graça para que voltasse a pertencer ao plano das almas complacentes. A partir daquele momento, todos os dias, durante quinhentos anos eu orei, implorei, chorei, arrependido de todos os males praticados. Passei a amar todas as matérias, numa interação fraterna. Reaprendi a benevolência. Um dia, ouvi uma voz redentora. “Hoje terás uma oportunidade”. Era tudo que eu buscava em várias existências. Almejava a remição, a purificação da alma. Despertei. Pregos atravessaram minhas mãos, eu estava afixado numa cruz. A meu lado direito, outro homem, com barba e cabelos longos, portador de uma paz com clareza capaz de produzir raios cintilantes de inigualável beleza. Vi, em sua imagem, o próprio Deus. Na terceira cruz, outro homem, com expressões raivosas. Lá embaixo, soldados romanos usavam impiedosamente suas lanças pontiagudas contra nós três – perfurando nossos compungidos corpos.
- Se és quem o povo diz ser, Jesus, o rei dos Judeus...Salva-te a ti mesmo! – Duvidou um soldado, gabando-se e oferecendo fel a Jesus.
A fé estava preenchendo lacunas duvidosas que pairavam sobre o inanimado mundo. Uma nova ordem estava sendo instaurada.
- Senhor, me leve contigo a teu reino! – clamei, olhando para Jesus.
- Ainda hoje estarás comigo no paraíso! Disse Jesus, expirando.
Eles não sabiam o que estavam fazendo. Tudo estava consumado. A doação da vida para que o amor perdurasse até o final dos tempos. Um repentino temporal abalou o morro das caveiras. Estaria Deus Pai todo poderoso, furioso?  




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"Escrevo o que sinto, mas não vivo o que escrevo"


Paulo Izael
Enviado por Paulo Izael em 26/10/2005
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