Paulo Izael
Escrevo o que sinto, mas não vivo o que escrevo.
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UM HOMEM DE SORTE!



Sabe essas manhãs em que acordamos com a boca azeda, emanando um extrato de gambá, a cabeça girando, zunindo e o esquelético corpo pesando cerca de uma tonelada? Muito bem. Naquela memorável manhã eu estava péssimo. Como a desgraça vem sempre acompanhada, a prestação do apartamento estava vencida há três meses e a geladeira estava completamente vazia.
Escavaquei os bolsos. Estavam chués, vazios, desprovidos de grana. Rodei a cidade a procura de um serviço que aliviasse meu estado de infeliz e ao mesmo tempo me tirasse da ociosidade que já durava um ano. Estava trôpego de fome. Zanzava a procura de um trampo. Considerando que não arranjara nada a tantos meses, não estranhei estar desempregado por mais um dia. Já era tarde alta quando avistei uma loja de material elétrico. Meus remelentos olhos dançaram sob o brilho do luminoso que estampava em destaque: “precisamos de vendedor”. Aquilo era bom demais. Afinal, eu conhecia bem a parte elétrica, estava em minha praia, Deus ouvira minhas preces, eu era merecedor. Feliz da vida ganhei a loja e dei com recepcionista:
- Referente ao anúncio, eu sou o Zé Brasil e...
- Sabemos quem é o senhor - falou uma mulata de olhos verdes, me interrompendo e falando com veemência: - estávamos a sua espera. A vaga é sua. O senhor é um homem de sorte. Por favor, suba as escadas que o patrão o aguarda!
Só poderia tratar-se de brincadeira! Resolvi me certificar perguntando:
- Senhorita, está dizendo que a vaga é minha, como assim, que vaga?
A mulata cruzou as pernas, jogou o cabelo para o lado esquerdo e disse gentilmente em meu ouvido:
- O senhor é o novo gerente de vendas da empresa.
Corri os olhos para a firma, contei mais de cem funcionários, uma enorme loja.
- Suba que o patrão o espera – ponderou a mulata.
A beldade nem bem acabara de falar, eu já estava sentado de frente para o patrão. Olhei para a infinidade de telas que decoravam as paredes da enorme sala. Contei mais de cinqüenta quadros onde mostravam a beleza de inúmeras raças de cavalos. Certamente o patrão era chegado num puro sangue!
- Senhor Zé Brasil? – perguntou o patrão.
- Em carne e osso. Na verdade, mais osso que carne!
- Ah, ah, ah, gostei, gostei. Além de ser um homem de sorte, também tem senso de humor apurado.
“Um homem de sorte”. Primeiro a secretária, agora o patrão dizendo a mesma coisa...Interessante!O grande homem mediu-se de relance e constatou meu péssimo estado.
- Por favor, como é sua graça?
- Pedro, o grande! Primo do lendário Alexandre!
- Ah, sim. – assenti, iniciando a puxação de saco que acompanha todo gerente.
Permaneci estático. Tudo estava mudando para melhor.
- Quer dizer que sou o novo gerente de vendas de sua firma?
- É, a vaga é sua. O meu antigo gerente vinha vendendo muito, ando enormes lucros e acabei me aborrecendo com ele. Sabe como é, né?
- Sei. – respondi concordando sem nada entender.
- Sabe o tipo de gerente que preciso?
- Não!
- Como não?  Acabei de dizer que o gerente anterior me dava muito lucro.
- Quer alguém que não venda nada e dê prejuízo.
- Sabia que você era a pessoa indicada. Ta vendo, só, nos entendemos. Seu horário de serviço será entre 16:00 e 16:30. E se quiser me dar honra de acompanhar-me às terças e quintas até o Jockey Club Paulista, ficarei muito agradecido.
- Quanto ao rendimento?
- Para começar, receberá o equivalente a trezentos salários mínimos. Quanto maior for o prejuízo, seu salário se elevará automaticamente.
- Trezentos salários! – esbocei uma cara de espanto, era muito dinheiro.
- Achou pouco, então eu dobro. Seiscentos salários e não se fala mais nisso. Fechado?
- Fechadíssimo!!! – gritei de emoção
Pedro, o grande, me estirou um embrulho. Pelo visto era droga. Mas, o salário compensava qualquer parada. Mesmo assim, decidi perguntar para desencargo de consciência:
- O que é isso? – perguntei balançado o pesado embrulho.
- Seu pagamento adiantado por dois meses.
- Posso começar a trabalhar amanhã?
- Já está de férias. Olhe, aproveite-as bem!
Com a grana mofando na cueca, arrisquei um pergunta se teria que traficar, ser a mula, o vapor, avião...Qualquer barato eu encararia, era muita grana fácil.
- Senhor Pedro, quando eu retornar de férias, terei alguma função especial...O senhor entende, né?
- Como já disse, sua função principal é cuidar para que não se venda nada. Por outro lado, você pode me dar bronca, xingar a secretária de “gostosa”, “vadia”. Essas coisas, entendeu?
- Tudo.
Como a tarde estava indo embora e minha fome chegando mais ainda, pensei em sair para comeu algo.
- Senhor Pedro, o grande; já que tudo está acertado, vou indo. Pois, tenho que arrumar as coisas, amanhã viajo para curtir minhas férias!
- Danadinho você, né? Não vai sair assim não. Primeiro vai me dar o prazer de pagar-lhe uma suculenta picanha na brasa.
- Seu convite é uma ordem. Vou abrir uma exceção – eu já estava folgando.
Na saída da grande sala, o Sr. Pedro me brindou com uma estatueta de cavalo árabe.
- Que égua linda – exaltei com a admiração de um leigo.
- Este aqui, – disse o conhecedor de eqüídeos, apontando para a estatueta – é um garanhão.
- Garanhão? – perguntei espantado.
Grande, o Pedro, enlaçou-se como braço esquerdo, demonstrando afinidade e deu a devida explicação com um largo sorriso estampado nos lábios:
- O macho adulto não castrado recebe o nome de garanhão quando usado como reprodutor; caso contrário denomina-se de macho inteiro. Os animais jovens de sexo masculino são potros ou poldros, e, os de sexo feminino, potras, poldras ou, ainda, potrancas. As fêmeas adultas são sempre éguas.
- Uma dissertação eloqüente! – me exaltei com um trovoar de palmas.
Clareado e não acreditando em tantas mudanças repentinas em minha vida, antes de engolir a picanha, pedi ao senhor Pedro?
- Me belisque, por favor, para que eu possa certificar-me de que não se trata de um sonho.
- Zé Brasil, que bobagem é essa! Já que insiste, lá vai o beliscão.
Quando senti o beliscão, acordei. Estava realmente sonhando, sentado na imunda privada da pensão que estava instalada na favela de Vila Mandioquinha situada pra lá de Deus me livre! Droga de sonho, não deixaram nem a picanha!



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Paulo Izael
Enviado por Paulo Izael em 11/08/2005
Alterado em 08/11/2005
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