LAPADAS DA VIDA
No agonizante e maculado nordeste,
Migalhas no torpe banquete
Maquiam a sofreguidão,
Engabelando a fome e a razão.
A destruída panela de barro,
Lamenta a carne seca em putrefação.
O sustento no piqui estrangulado,
Tapioca e rapadura para os feriados.
Na puída algibeira, miúdas quireras.
No bornal, um naco de fumo de corda,
Que tem efeito anestésico,
Para iludir a fome que sufoca.
A estiagem perfaz a penúria.
O escaldante sol, vingativo,
Aquece a fervura dos desalmados
Onde a fome inocula desespero.
A caatinga chora enlutada,
Vendo sua flor com coloração cinzenta,
clamar a visita do pólen.
Galhos amputados e raízes ressequidas.
O grito aprisionado pelo conformismo
Compõe a gritante canção desnaturada,
Em cada nota fúnebre, jaz uma família
Predestinada a infindas provações.
Desnutridas crianças sonham:
A menina ajeita a boneca de barro,
O menino chuta a bola em molambo;
Chegam a duvidar que são humanos.
A mãe, apenada, chora em silêncio,
O pai, busca na dor alguma sorte,
Injuriado, o sertão anuncia o calvário,
A única certeza é a presença da morte.
No cambaleante pêndulo da seca,
Que converge à trajetória sem raiz,
Sob o manto da desmedida segregação,
Sabem que sempre é tarde para ser feliz.
Mesmo na adversidade, essa padecida gente,
Não esmorece, esconde o pranto
Pede um adjutório, uma saída.
Rezam missas e rogam ao pé do Santo
Não praticam mandingas, carregam patuá.
No calabouço do árido deserto,
Murchos e esquálidos olhos,
Jamais visualizaram alegria de perto.
A infinda espera em falsas promessas,
Reféns de arquitetadas falcatruas
Que geram suspeitos tratos que destratam;
Tangendo sonhos e mumificando vidas.
No canto fúnebre das raquíticas aves,
Um lamento da simbólica asa branca,
Que, numa flexão de asas encardidas,
Faz contrição ao Deus das plumas.
A cacimba destempera a goela seca,
Carecendo do encanto da sonhada água.
Chora o contrariado jumento coxo,
Sentindo o repuxar do carnegão.
Um povo estigmatizado pelo engodo barato,
Cobaias do truculento e desmedido capitalismo
Que disseca o corpo e dilacera a dignidade.
Na areia do tempo, um sopro na contraluz.
A beleza do gesto contrapõe-se com a sordidez,
embutindo rugas no desmantelado coração
Que, apiedado, ingere a destoante finitude,
Minificando a viagem no desprazer da vida.
A todo instante, nos momentos de infortúnio,
O rosário nas mãos em penoso ofício;
A costumeira súplica rogada ao santo,
O protetor dos desvalidos, Padre Cícero.
No descaso governamental,
Propiciado pela ganância autorizada,
Quando as migalhas chegam barganhadas,
A vida já está totalmente inutilizada.
Na penumbra do mórbido desconforto,
A luz não clareia, é vermelha feito sangue.
Esquálidas almas desprovidas de sonhos
Que carregam o pesado fardo do abandono.
Seres nulificados pelo holocausto dos mandatários,
Escassez de pão, excesso de peste.
Até quando irá perdurar o inferno
Que castiga nossos irmãos do nordeste?
Paulo Izael
Enviado por Paulo Izael em 13/11/2006