Paulo Izael
Escrevo o que sinto, mas não vivo o que escrevo.
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A Pedra Mágica!
 
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Círius Campanilha estava sentado em sua escrivaninha. Olhou desolado para as instalações que um dia significaram uma grande empresa. Não havia mais funcionários, tampouco mercadorias. A energia elétrica havia sido interrompida pela companhia de eletricidade. As linhas telefônicas haviam sido cortadas juntamente com a supressão do fornecimento de água. Ele olhou mais uma vez para o caótico ambiente em deplorável penumbra. Ouviu o bater de palmas. Levantou-se e foi atender à porta.

         — Vim lhe entregar o documento que decreta a falência de sua empresa!
Campanilha custou a assimilar a ideia. Era mais um duro golpe que experimentava. Sem fazer menção ao ocorrido, assinou o papel e recebeu uma cópia do oficial de justiça. Pegou alguns pertences e viu o homenzinho calvo lacrar a porta de entrada. Cabisbaixo, ganhou a rua e disse blasfemando:

         — Agora só me falta ser vitima de um raio!

No segundo seguinte Círius Campanilha ouviu um estrondo medonho. O raio caiu a um centímetro de seu corpo, ainda assim sentiu um cheiro de algo que estava queimando. Passou a mão sobre o couro cabeludo e interrompeu a chama que certamente o deixaria parecido com o oficial de justiça. Decididamente a vida não valia a pena.
A manha era cinzenta. Andando a esmo, chutou uma latinha e acendeu um cigarro, era o último. A nicotina lhe fazia companhia. Sentiu uma enorme vontade de embebedar—se. Avistou um boteco e entrou.

         — Uma cachaça!

Sorveu o álcool. Olhou de lado e viu três mendigos em conferencia. Um, segurava uma nota de dinheiro.

         — O que preferem, um lanche reforçado ou uma garrafa de cachaça? – perguntou o mendigo que ostentava a grana.

Os dois mendigos entreolharam—se e comentaram:

         — Que dilema – disse um.
         — Decisão complicada – rebateu o outro.
         — Escolham logo, não tenho todo o tempo do mundo.
Após alguns segundos responderam a uma só voz:
         — Preferimos a garrafa de cachaça!

Círius Campanilha não estava acreditando no que via. Ainda era cedo para ingerir álcool. Mas, partindo do pressuposto que a desgraça sempre vem acompanhado, não era de se estranhar tal atitude. Saiu do boteco e ganhou novamente a rua. Não possuía mais automóvel, o dinheiro contado não poderia ser gasto com condução paga. Após uma caminhada de cinco horas, chegou a sua casa. O proprietário do imóvel foi logo avisando:

         — Se não pagar o aluguel até amanhã, troco às chaves e te jogo na rua, caloteiro.

Campanilha resolveu ignorar o destrato. Uma vez que não tinha como remediar a situação, todos os insultos eram tolerados. Em face de inúmeras penhoras, a casa dispunha de poucos móveis e descartáveis eletrodomésticos. Pensou em ingerir uma cerveja, faltava—lhe a geladeira juntamente com a bebida. Novamente ganhou a rua. Numa esquina próxima, um homem de idade avançada, movia um realejo.

         — Quer ver o futuro, cavalheiro?

Círius Campanilha há muito conhecia o seu futuro negro.

         — Apenas uma moedinha – insistiu o homem do realejo.

         Movido por um imoderado desejo, Campanilha escorregou uma moeda. O velhinho sinalizou para o papagaio malandro, este, endireitou o bico e escolheu um papelzinho dobrado entregando—o ao idoso.

         — Aqui está o seu futuro, muito obrigado.

         Enquanto o a musica do realejo se distanciava, Círius Campanilha abriu o papel e leu: “Ainda hoje, sua sorte mudará, será um homem rico”
Era o que Campanilha sempre quisera ouvir. Passada a emoção do bilhete, entrou no primeiro boteco que avistou e pediu outra cachaça. Ele que nunca fora de beber, estava tomando gosto pelo álcool.

         — Outra, agora com limão.

O álcool tornara-se doce e tinha o efeito de liberdade.

         — Moço, paga uma pinga pra mim!

Campanilha olhou para o molambo pedinte. Não tinha muito no bolso. Também não era mão aberta para gastar seu dinheiro com um derrotado. Pensou bem e se igualou ao farrapo. Sua situação não era das melhores, para não dizer caritativa.

         — Vê se me erra, trouxa! – falou mal Campanilha irritado com a insistência.
         — Se me pagar uma pinga, lhe dou esta pedra mágica!

         Círius Campanilha sentiu a intuição lhe cutucar. Olhou para a pequena pedra em forma de coração. Aquilo não tinha serventia alguma, mas algo lhe dizia para proceder à troca de favores. Estirou uma moeda e pediu uma cachaça para o molambo. Logo depois o homem pálido lhe entregou a pedra e saiu. Campanilha colocou a pedra no bolso e reparou que o homem pálido havia saído sem tocar no copo.

         —Ei você —disse Campanilha ao pedinte— Nem tocou na cachaça!
         — Não bebo.
         —A pedra, se é mágica porque não usa os poderes dela?
         —Preferi  ficar pobre novamente. Um dia fará o mesmo — disse o homem desaparecendo.
         Círius Campanilha coçou a cabeça movendo-a como desaprovação.
         — Como entender o ser humano! Aporrinhou-me pela cachaça e esqueceu-se de tomar. Azar o dele tomo eu! – disse Campanilha entornando o copo ao notar que o molambo havia desaparecido.

Círius Campanilha fez um balanço de sua situação financeira e percebeu que seu capital era apenas suficiente para comprar uma carteira de cigarros. Foi o que fez. Agora estava descapitalizado. Não reclamou, estava familiarizado com a miséria. Saiu do bar, contornou uma imunda praça e sentou-se no meio fio da calçada. Levou a mão ao bolso e lembrou-se da pedra mágica. Soltou-se num riso, caçoando de sua própria idiotice. Segurou a pedra e disse zombando:

         — Pedra mágica, eu queria um monte de dinheiro que enchesse meus bolsos.

Campanilha sentiu os bolsos se avolumarem. Foi acometido por um súbito despertar. Atônito, levantou—se e catou os bolsos. Cauteloso, teve o cuidado de olhar para os lados, tateou e apanhou uma nota. Olhou—a, era dinheiro. Estava funcionando, a pedra era verdadeira, mágica. Avistou um bar, precisava testar a nota, talvez tudo fosse força de sua imaginação.

         — Pode me trocar esta nota por dinheiro miúdo?
         — É muito dinheiro – respondeu o dono do bar.

Campanilha olhou para os frequentadores do estabelecimento e teve uma ideia:

         — Lanche e bebida por minha conta, para todos.

A euforia tomou conta do ambiente. Todos se acotovelavam no balcão para fazerem os pedidos. Campanilha estava apreensivo. Não tinha certeza de que a nota fosse verdadeira, afinal, a única maneira de testar a autenticidade, era pagando a conta.

         — Pode cobrar.

Quando recebeu o troco, Círius Campanilha lutou para conter-se. Virou para os clientes do bar e disse:
         — Obrigado a todos!
Quando estava próximo à calçada, ouviu uma pilheria:

         — Tem cada louco! O sujeito gasta uma nota gorda conosco e ainda agradece!

Círius Campanilha caminhou de volta até sua casa e foi logo falando grosso com o proprietário:

         — Quanto lhe devo de alugueis atrasados?
         — Quatro meses.
         — Vou quitar o atrasado e pagar um ano adiantado.

O proprietário do imóvel, após contar o dinheiro, saltou e deu um beijo na face de Campanilha.

         — Doutor Círius, o senhor é meu melhor inquilino.
         — Vá até o mercado e me faça uma compra... Sem economizar – ordenou Campanilha.
         — Não precisa me dar dinheiro agora, eu compro do meu, depois o doutor me acerta.

“Doutor”, Campanilha gostara da paparicação. Entrou em sua casa, sentou—se numa cadeira quebrada e teve outra ideia. Segurou a pedra e pediu:
         — Quero uma TV de plasma de 42 polegadas, um DVD e. Uma sala completa!
Foi com espanto que admirou a nova sala. O brilho estava com ele. Acionou o controle remoto e desfrutou da tecnologia de ponta.

         — TV a cabo!
Num instante o mundo estava a sua frente, através de dezenas de canais.
         — Agora eu sou um rei, o rei Campanilha! — Gritou, com esfuziante contentamento.

O proprietário voltou carregado de compras. A dispensa de Campanilha estava abarrotada de alimentos. Nunca vira tanta fartura. Enquanto cortava uma fatia de picanha e degustava um vinho chileno, ele sentiu-se possuído por mais um desejo.

         — Amanha cedo desejo estar em minha empresa, trabalhando como nos velhos tempos, com uma dezena de funcionários e contas pagas. Aliás, desejo ter mais nove empresas, enormes, lucrativas.

Naquela noite Campanilha finalmente provara do sono dos justos. Adormeceu com um sorriso nos lábios. Não poderia estar mais feliz. Se existisse um paraíso, o ambiente era aquele.

Despertou na expectativa. Ia chamar um táxi, mas lembrou—se da pedra.
         — Quero uma Mercedes, novinho!

Estava guiando o potente veiculo. Dentre todas as empresas que possuía, escolheu a mais antiga, a que falira anteriormente. Estacionou em frente a empresa. O letreiro era novo, o movimento acima da média. Entrou. Maravilhado, notou que todos o cumprimentam. Era patrão de milhares de funcionários. Entrou em sua sala rigorosamente decorada com requinte. Aquele era sua merecida vida que havia sido subtraída pelas sinuosas curvas do destino. A secretaria lhe cumprimentou e estendeu a agenda diária.

         — Dr. Círius, o senhor tem noventa compromissos para hoje. A sala de espera está lotada, precisa decidir sobre as aplicações bancárias e analisar vinte propostas para aquisição de novas lojas. O fiscal ligou, vem receber a segunda parcela da propina. A gráfica já imprimiu os talões em duplicidade, com isto o senhor vai sonegar milhões de dólares. A segurança informou que alguns funcionários das usinas de açúcar e álcool ensaiaram uma greve e contiveram a balbúrdia eliminando os líderes e...

         — Pode parar! – interrompeu Campanilha – eu apenas queria uma pequena firma para trabalhar...
         — Dr. Círius, está passando bem?
         — Perfeitamente bem. Vou me ausentar por todo o dia.
         — O senhor Não pode fazer isso, os compromissos...!

Círius Campanilha abriu mão do Mercedes e caminhou pela rua. Não era aquela vida que desejava ter, onde a corrupção e a ganância se coordenavam para agir. Estava trajando um elegante terno. Percebeu que um carro freou bruscamente a seu lado. Do veiculo saltaram quatro homens encapuzados e anunciaram:

         — É um sequestro, calado! Se abrir a boca, lhe pregamos fogo!
         — Confira a foto par ter certeza de que se trata do milionário Círius Campanilha! – alertou um segundo bandido.

Campanilha sentiu uma picada e foi jogado na porta mala. Por um momento pensou que iria morrer em virtude da inexistência de ar. A sonolência o dominou. Percebia agora que fora dopado, adormeceu, sabendo que o pior ainda estava por vir.

Quando Campanilha despertou do sono, estava jogado num imundo colchão, com os braços amarrados e amordaçado. Pensou em pedir ajuda à pedra mágica, mas não podia mover—se. Olhou para um minúsculo espelho e viu—se com a barba crescida. Deveria estar ali há alguns dias. Sua vida estava atribulada. Temia a situação, não entendia o porquê da falta de sossego, tudo estava errado.
De repente o silêncio do quarto foi quebrado por um tiroteio. O barulho dos projéteis causava assombro. Campanilha permaneceu quieto, poderia ser atingido por alguma bala perdida. Olhou para a porta e a mesma veio abaixo.

         — Está tudo bem, é a polícia, doutor Círius!

Um alívio imediato tomou conta de Campanilha. Quando saiu do cativeiro, viu vários corpos amontoados. Todos os bandidos estavam mortos, inclusive seu gerente financeiro que havia arquitetado o plano. Campanilha estava incrédulo com tanta maldade e traição. Conduzido pelos policiais, parou diante de uma enorme mansão.

         — Agora pode descansar doutor— disse um policial.
         — Não moro aqui – falou Campanilha.
         — Claro que mora, doutor Círius. Está assim em razão do sequestro. Afinal, quem é que não fica debilitado, não é mesmo?

Campanilha entrou na mansão, tudo era estranho. Não se lembrava de ter pedido aquela casa. Talvez houvesse feito o pedido enquanto dormia. Sentou—se na sala. Dezenas de empregados o saudaram. Ele viu um homem machucado e perguntou o ocorrido. Ficou sabendo que o homem havia quebrado um vaso acidentalmente, em razão disso havia sido espancado.
         — Quem deu essa ordem, já que sou o patrão?— perguntou Campanilha resignado.
         — O senhor, não se lembra?

Não. Não se lembrava de ser tão cruel. Pensou que a pedra lhe havia feito muito mal. A riqueza não consistia felicidade. Havia um preço a ser pago. Outro funcionário cochichou em seu ouvido.

         — O senhor foi indiciado pela CPI do congresso!
         — Indiciado? Eu não fiz nada.
         — Um sujeito se prevaleceu do benefício da delação premiada e acabou confessando a existência de contas que o senhor mantém em alguns países. Evasão de divisas. Mas estamos tentando fechar um acordo para sanar o problema. Se não obtivermos sucesso, mandaremos matar o delator e daremos um sumiço no processo.

         — Onde é o banheiro?
         — Por aqui, senhor – respondeu um mordomo.

Círius Campanilha contemplou o enorme banheiro que era maior que sua antiga casa. Tudo estava arruinado. Jamais quisera se envolver em crimes, sempre fora cordato, trabalhador. Também era sabedor que por trás de cada fortuna havia o obscuro mundo da falcatrua; não tencionava compactuar com a discriminação e desigualdade social. Que vida era aquela que estava vivendo? Catou os bolsos e retirou a pedra mágica. Olhou—a cuidadosamente e pediu.

         — Desejo voltar ao tempo, no exato momento em que o oficial de justiça decretou minha falência. E neste último pedido, exijo que esta pedra desapareça para sempre.

Círius Campanilha abriu os olhos e ouviu o oficial de justiça lhe dando o aviso:

         — Vim lhe entregar o documento que decreta a falência de sua empresa!

Campanilha, desta feita, aceitou a notícia com naturalidade, não com conformismo; sabia que refaria sua vida, trabalharia honestamente. Andou, fez menção em retirar alguns pertences pessoais, sabendo que o próximo passo do oficial de justiça seria lacrar a empresa.

         — Tem mais um detalhe – disse o oficial segurando outro documento.

Círius Campanilha percebeu que a cena não estava se repetindo como originalmente, o roteiro estava modificado. Intrigou-se e ouviu atentamente o que o homenzinho calvo tinha para falar.

         — O juiz analisou o pedido de falência impetrado contra sua empresa e lhe concedeu ganho de causa. A impetrante usou um expediente não convencional. Em outras palavras, as provas de suas dividas eram forjadas. Simplesmente seu concorrente queria lhe quebrar. E o senhor tem direito a uma indenização de um milhão de dólares por ter sido obrigado a paralisar seus negócios por quatro anos, com a agravante de ter vários contratos licitatórios cancelados. Boa sorte.

Um milhão de dólares! Círius Campanilha não havia pedido a fortuna, mas não se incomodava em ser rico. A pedra lhe havia feito uma agradável surpresa. Olhou para o céu e viu Deus sorrindo. Decididamente, a vida valia a pena. A manhã cinzenta recebeu o beijo do majestoso sol. Flores exalavam perfume, pássaros cantarolavam. Era primavera. Um bom dia para exercitar a claridade que o iluminava.

 




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Paulo Izael
Enviado por Paulo Izael em 20/03/2006
Alterado em 31/03/2013
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